segunda-feira, 16 de agosto de 2010
Engarrafava as nuvens como se pudesse acolher o vento
selecionava as mais divinas,com alto teor de céu
bebia lentamente o ar que resgatava abrigos anteriores
eram meus lares vencidos,as guerras que travei e não renderam homenagens
dentro da garrafa as perdas da paz,cada brancura uma dor
por fora toda natureza assistia-me embebedando-me de brisas chilenas
engarrafava sonhos,como se a pureza soubesse do lado de cá,
guardava certos sabores para lhe mostrar
degusta o azul,dona pureza,toma todo de uma vez
engole este verde que sobressalta dos olhos
essa mata flutuante de beijos
Durante anos guardei as nuvens nesta garrafa
hoje que não posso beber,gostaria de ver este mesmo céu
gostaria de poder desenhar outras brancuras infindas em teus cabelos
ou simplesmente abrir a garrafa e deixá-las escapar,dissolvendo-se
formando novos destinos,novos mapas.
Endereço-te minha última garrafa de nuvem,pelo mar ela segue,
e um dia a encontrarás,beberás das minhas ilusões e arrotarás sangue.
Flô
Pescava flores-caveiras
enquanto teu corpo tumultuado me acenava alegre
a morte,menina quer qualquer coisa de passeio breve
minha cesta vivia repleta de ossos encantados
ossos que guardava como relíquias
do tempo onde fui feliz no balanço do parque
tudo ao redor para os outros era sombra
era desolação,eu conseguia ver as ceveiras sorrindo
conseguia ver que a passagem foi natural
pescava flores entre os escombros
e os urubus me contavam histórias lindas
quando a menina sorria,sabendo o doce da morte
todos os outros choravam a baixo
como se nunca houvesse entendimento
para o passeio que sempre prossegue.
Flô
TRabalho as gaiolas sobre o meu quadril
as pombas presas,selvagens,dançando sob tortura
as pombas inconscientes,dopadas,laçadas cantando sob tontura
trabalho a liberdade do meu sexo
fecho a grade,passo cadeado,ninguém saberá do voo por aqui
tudo será suspenso por cordas de cetim
tudo será envolto em mantas purificadas
o pastor me falou das ovelhas que comem pombas
dar-lhe-eis o que comer...ofereco meu pecado encarcerado
a esses pobres animais que não conhecem o prazer...
minha saia de grades pretas e grossas prendem as patas das alucinações
as pombas dançam,soncronizam a morbidez dos sonhos,não significam sua cor
terroristas pintados de branco,amigas do ar enganando soldados tontos
minha caixa de música em saia vai rodando minha cabeça
numa mobilidade resoluta,insolente,beirando delinquentes
quentes,quentes pombas de um desejo que se parte ao meio
toda vez que alguém decide morrer,achando que o pulo é o começo do voo...
trabalho as gaiolas sobre os meus quadris,todos os meus ardis presentes e convalescentes
as pombas sonsas,as pombas ordinárias,as pombas libertinas
as pombas drogadas do cheiro forte da minha floresta.
Flô
...como se guardasse pássaros dentro de uma enorme saia-gaiola,como se cultivasse pombas em meus quadris,sempre treinando a saída,mas nunca alçando um voo real
por que a pomba tem que ser pura?
Dentro do teu espelho
me viro,me contorço
me enquadro em teu jeito de ver-me
nua,alva como a timidez dos andes
quente como a altivez dos montes
por todos os lados sou tua imagem
sou teu pedaço de vidro aceso
dentro da madeira o ócio vivído
os cabelos seguram na janela a força
não te encaro,te encerro atrás da minha imagem
sou minhas costas,sou meu busto
o contrário da tua poesia,sou o verso escrito errado
o papel jogado fora na esquina,nas lixeiras desgarradas
dentro do teu espelho,sou fera mansa,mulher afobada
me viro,me contorço para ficar tingida com teu sêmem
quente e nua, serei por muitos anos ainda
teu pedaço de vidro adestrado.
flô
Chovem homens vermelhos encapuzados dentro do quarto
chovem lupas brancas num céu lacrado
dias de luto pela chuva de fora
dias de celebração para as noites de dentro
guarda-sonhos abrem-se como brinquedos ausentes
mostro minha cidade interiorana aos lordes
mostro as gotículas de sol entrando pelo armário
os homens de preto produzidos em série dançam
espalhados em segredo,dançam eretos
dançam a morte quente de qualquer ternura úmida
homens de chapéu e janelas fechadas
caem sobre mim homens brancos de trajes suspeitos
são milhares,são indênticos,são previsíveis como a chuva
como a mesma água que os projeta
homens-bala que dialogam com o futuro como se quisessem ousar
diabólicos engravatados,aglotinados cadáveres
chuva de canhões maquiados
chuva de ilusões aniquiladas
chuva de visões atrofiadas
chuva de caminhos rejeitados
chovem homens vermelhos encapuzados dentro de mim.
Flô
A maldita volta disfarçada de morena
me vejo no reflexo da aliança ainda em falso
sobrecarrego as pontes quebradiças do desejo de ontem
minha casa é o perigo
minha casa é o caos
a culpa legitimada é minha
quem falou da condição das flores?
sou este pássaro que vos fala
sou este prisioneira antiga
num castelo que deixou de ser de fadas há muitos anos
a maldita forma disfarçada em blocos de carinho
recepção magnífica... quando algo é grandioso demais
qualquer pessoa que enxergue bem desconfia
me vejo no espelho da aliança ainda em nuvem
escuto os chôros antigos nesta casa
escuto o ventre das outras buscando o lar
escuto o terraço da cidade inacabada
achei que a morte trouxesse o fim da qualquer dor
o final,finito,o fechamento de um ciclo
mas vejo que só abri ainda mais as portas para os malditos
malditos os que apedrejam minha filha!
malditos os que que ainda em chamas não se deixam morrer em paz!
malditos aqueles que travam as correntes do ódio por eternidades!
minha casa agora é minha luz
minha treva ontem foi minha cama
aprendi com a chuva,a correr sozinha
desgovernada sigo,benzindo qualquer família infeliz
maldita infeliz que jorra seu veneno em cima de minha luz
maldita senhora morena,que escurece meu dia
que tenta abolir minha canção
minha pureza era qualquer coisa infinda que se colhia pelo ar
hoje peço força para não mostrar a bondade assim,sem mais
maldita senhora que se acha dona do mar
critica o fogo,maldiz a terra,descrê da água e nos faz sem ar
malditas palavras preferidas pela loucura de ser má
achei que não mais provaria dessa maldade
que só minha raiz tinha o direito de assim me provocar...
a maldita senhora morena chega e invade e descarrega e empedra
meu novo sonho a chegar
o que fazer quando a vontade é crucificar?
o que fazer quando nao conseguimos mais abraçar os doentes da alma?
tenho uma alma tentando crescer dentro da minha
ela pede um tributo,ela pede paz,a paz que há tempos fui privada de ter
a paz que acho que mereço pelo pouco bem que já fiz
peço a cruz,a espada,o chapeú,a imagem,peço a benção,o resgate,o padre,e a hóstia
mas não me tirem minha nova luz,não me impessam de colocar ao mundo
minha parte boa,minha parte intocável.
Flô
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