Urros Masculinos lança Tudo aqui fora escrito, tudo fora escrito ali, coletânea de poetas e contistas que não revolucionaram a história
As antologias normalmente retomam aquelas obras que, de antemão, legitimamos: constituem Histórias de H maiúsculo. São coleções de um tempo cartografado, de uma geografia imaginária, de um autor em busca da canonização em papel. O grupo literário Urros Masculinos se mete a propor uma outra ética e catalogar o presente. Na antologia Tudo aqui fora escrito, tudo fora escrito ali, o coletivo recorta a obra de escritores mais ou menos novatos: vieram à tona das publicações nos últimos dez anos. Fechando a década em que os marcadores zeraram, a compilação repercute uma nova lógica de espaço-tempo, em que a vivência da nostalgia e as previsões do futuro se confundem. “Normalmente a Academia diz que você precisa dar um tempo antes de identificar o que de bom ou de ruim foi feito. A gente fala muito do que se produziu na Geração 65, nos anos 80. Mas e o que foi publicado na última década?”, questiona Wellington de Melo, um dos organizadores.
Wellington é também um dos integrantes da compilação, que agrupa poesias e contos de 10 escritores. Junto a ele estão os poetas Adélia Coelho, Amanda Moraes, Artur Rogério, Helder Herik, além dos ficcionistas Artur Lins, Bruno Piffardini, Cristhiano Aguiar, Fernando Farias e Jean Santos. A antologia faz reverberar um mosaico deste conjunto de autores (de diversas idades), em busca de uma marca geracional para o nosso presente literário. “Alguns dos escritores dificilmente teriam apoio público para publicar de outra forma. Conseguimos aprovar o projeto no Conselho Municipal de Cultura e o livro calhou de ficar pronto às vésperas da Free Porto, onde vamos lançá-lo”, diz Wellington. O evento ocorre em paralelo à Fliporto, entre os dias 6 e 8.
Nem todos os participantes são pernambucanos. Wellington lembra o caso do baiano Cristhiano Aguiar e do paulista Bruno Piffardini. “Eles não nasceram aqui, mas moram em Pernambuco e seus trabalhos dialogam com o que acontece por aqui”. Cristhiano, autor do livro de contos Ao lado do muro, além de ser um dos editores da revista Crispim, divide as páginas com escritores nunca antes publicados, descobertos na sorte dos blogs rede afora. Amanda Moraes, por exemplo, tem apenas 20 anos – e uma poesia com a densidade de 50 anos de adolescência. Seu verso cambaleia entre a dominação e a emancipação: diz que “paradoxalmente, vou-me construindo, como se eu carregasse em mim peso e leveza, um pouco de patrão e de negrinho”. Helder Erick, natural de Garanhuns, também debutou na internet. “Conheci Erick através do seu blog, mas só vamos nos conhecer pessoalmente durante a Free Porto”, conta Wellington.
A despeito dos enfeites do bom gosto, a publicação sai do forno em festa no sábado (7), às 22h, no Francis Drinks (Av. Alfredo Lisboa, 33, Bairro do Recife). Uma mesa de discussão, antes da bombação com DJs, deve reunir Delmo Montenegro e Johnny Martins, autores dos prefácios do livro, que jogam conversa fora sob a mediação da drag queen Gera Cyber. Tudo nos trinques de um grupo que ensaia um reordenamento da nossa lógica de recepção. “O Urros busca experimentações na maneira de fazer a literatura circular. A gente sempre pensa que a literatura tem que ser feita em mesas, em livrarias, em um lugar esterilizado. Quando a gente reduz a literatura a estes espaços, termina tolhendo sua liberdade”, diz Wellington. Entre as investidas, está o literal lançamento de livros que acontece na Free Porto. “Escritores jogando livros na rua pode ser uma imagem muito forte, mas queremos subverter a ideia de coquetel”.
A estratégia tem contrapartida literária no emblemático Wellington de Melo, poema que o próprio assina (ler ao lado), com ares de prefácio. “O título é uma auto-ironia. Representa um pouco a angústia de uma geração que percebe que escritor famoso que vai viver de literatura no Brasil é quase uma ilusão. O poema é a negação das ilusões da fama”, diz Wellington. Afirma, no entanto, que o Urros não é um coletivo meramente anárquico. “A gente não tem uma postura de se opor ao sistema, de vender livro de porta em porta. Temos conhecimento de editoração, diagramação. Sabemos que podemos procurar editais de cultura, buscar patrocinadores. Não queremos mudar o mundo, mas se a gente conseguir que uma pessoa dê uma olhada para a esquerda ou para a direita e veja algo, a gente chama atenção para a literatura”.
Link original: http://jc3.uol.com.br/jornal/2009/11/01/not_353065.php
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