terça-feira, 3 de junho de 2008
aNA cRISTINA CESAR
"Olho muito tempo o corpo de um poema
até perder de vista o que não seja corpo
e sentir separado dentre os dentes
um filete de sangue nas gengivas.
Tu queres sono: despe-te dos ruídos, e dos restos do dia,
tira da tua bocao punhal e o trânsito, sombras de teus gritos,
e roupas, choros, cordas e também as faces que assomam
sobre a tua sonora forma de dar,
e os outros corpos que se deitam e se pisam,
e as moscas que sobrevoam o cadáver do teu pai, e a dor (não ouças)
que se prepara para carpir tua vigília, e os cantos que
esqueceram teus braços e tantos movimentos
que perdem teus silêncios, o os ventos altos
que não dormem, que te olham da janela
e em tua porta penetram como loucos
pois nada te abandona nem tu ao sono.
Flores Do Mais
Devagar escreva uma primeira letra
escreva nas imediações construídas pelos furacões;
devagar meça a primeira pássara bisonha
que riscar o pano de boca aberto sobre os vendavais;
devagar imponha o pulso que melhor souber sangrar
sobre a facadas marés;
devagar imprima o primeiro olhar sobre o galope molhado dos animais;
devagar peça mais e mais e mais
Deus na Antecâmara
Mereço (merecemos, meretrizes)
perdão (perdoai-nos, patres conscripti)
socorro (correi, valei-nos, santos perdidos)
Eu quero me livrar desta poesia infecta
beijar mãos sem elos sem tinturas
consciências soltas pelos ventos
desatando o culto das antecedências
sem medo de dedos de dados de dúvida
sem prontidão sangüinária
(sangue e amor se aconchegandohora atrás de hora)
Eu quero pensar ao apalpar
eu quero dizer ao conviver
eu quero partir ao repartir
filho
pai
e fogo
DE-LI-BE-RA-DA-MEN-TE
abertos ao tudo
inteiro
maiores que o todo nosso
em nós (com a gente) se dando
HOMEM: ACORDA!
*
Poesia
jardins inabitados pensamentos
pretensas palavras em pedaços
jardins ausenta-se a lua figura de uma falta contemplada
jardins extremos dessa ausência
de jardins anteriores que recuam ausência freqüentada
sem mistério céu que recuas em pergunta
*
Psicografia
Também eu saio à revelia
e procuro uma síntese nas demoras
cato obsessões com fria têmpera
e digo do coração: não soube
e digoda palavra: não digo (não posso ainda acreditarna vida)
e demito o verso como quem acena
e vivo como quem despede a raiva de ter visto
*
Ana Cristina CESAR
*
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Quem sou eu
- No Silêncio das Montanhas a Linguagem dos Ventos
- Eu vou,atrevida,pisando nos relógios sento-me nos relógios sou a bailarina da caixa de música que dança em cima dos ponteiros e ilumina mesmo sem querer o outro lado das batidas do tempo... Flô
Um comentário:
"e demito o verso como quem acena
e vivo como quem despede a raiva de ter visto"... Nunca entendi. Só sinto. Um dia chego lá.
Conheço pouco do trabalho dela... meu pai foi quem a conheceu pessoalmente, pelo Tavinho Paes, naquele Rio dos anos 70.
Quanto a você, da próxima vez, me beije ali mesmo.
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