segunda-feira, 31 de março de 2008



“E se não houvesse amanhã”?
Gosto de imaginar que, se esse fosse o caso, dançaria sem passos por algumas horas. Cantaria, em alto e bom tom, músicas que nunca ouço, e calaria no tocar das que sempre me tocaram. Se não houvesse amanhã, choraria. Sorriria ao ver uma criança ou idoso, um jovem, ou uma sombra qualquer. Correria na chuva e deitaria na grama assistindo as pessoas passarem, assistindo as nuvens passarem. Se não houvesse amanhã, gritaria até sentir meus pulmões desfalecerem, sem me importar com o que pensam os outros.
Beijaria. Sim, beijaria todos de formas distintas, embora com a mesma sutileza de quem beija pela primeira e última vez. Amaria cada um dizendo coisas belas e sujas. Beberia vinho de estômago vazio. E, com feroz embriaguez, fugiria do que posso resolver e enfrentaria o que não posso, mandando todos ao inferno. Se não houvesse amanhã, mergulharia em silêncios a mim, e explodiria palavras e emoções aos outros.
Agiria em tudo por impulso porque pensar antes de agir é pra quem tem tempo, e tempo seria um luxo do qual não usufruiria.Se não houvesse amanhã, provaria o máximo de sabores e sensações que me viesse em mente, exploraria os sentidos e esqueceria decisões. Não pensaria no "não feito", talvez sequer pensasse no que fiz de certo ou errado. O que fiz? O que, afinal de contas, me definiria como aquela que viveu verdadeiramente, ou a que sobreviveu apenas ao que foi obrigada por ter se visto sem escolhas, sem direção? O fato é que, se não houvesse amanhã, eu viveria.
Mas o amanhã não existe. E continuo aqui, estagnada. Como se a vida não valesse o esforço de fechar os dedos pra não deixá-la escapar. Como se a morte me fosse mais convidativa. E acho graça. Talvez esse fato de zombar da morte seja devido às gozações que a vida me faz. Sorrir diante da dor me faz esquecê-la, como se apenas o ato importasse, não a causa. Assim, as dores se confundem com alegrias. Não tenho medo da morte. Ela é só mais um lado de mim, um lado de tudo.
O que temo é a vida, a parte viva que ainda me resta ou que gosto de acreditar que me resta. Temo o que é vivo por ser algo a mais a perder, algo a mais a me ser arrancado. E não sei ao certo se poderia suportar mais uma perda. É essa vida que me amedronta, e é essa morte que me conforta. Distraio-me ante sátiras sobre minhas perdas e ganhos, ante a busca de significados no final das contas. Teriam algum significado? Na morte, teriam? Na morte, teria eu algum significado qualquer, um sequer? Creio que não. Mas espero que o chão ao menos consiga me ser confortável.
Engraçado como agora, pensando sobre meus temores, não rio. Só agora. Estou fria, sem saber o que me diferenciaria de uma pessoa morta ou viva. Meus movimentos mal me obedecem, embora meu rosto continue sem expressão como sempre. Imagino-me neste instante adormecendo. Conseguiria um dia despertar-me outra vez? Que coisas, que pessoas motivariam alguém insípido como eu a levantar-se da cama e enfrentar mais um dia de sobrevida? Pelo quê estou a esperar? Pela vida? Pela morte? Por algo que me mostre a qual delas eu pertenço afinal? Seria eu capaz de arrastar dias dormentes por mais tempo? Por quanto tempo? Quantas perguntas...
Quando tudo o que queria era me desfazer delas. Talvez dormir seja a resposta ao menos para minha falta de respostas. Quem sabe amanhã... Quem sabe... Nunca.

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Eu vou,atrevida,pisando nos relógios sento-me nos relógios sou a bailarina da caixa de música que dança em cima dos ponteiros e ilumina mesmo sem querer o outro lado das batidas do tempo... Flô